Nessa entrevista, tivemos a oportunidade de conversar de maneira bem pessoal com Matheus “bzkA” Tarasconi, o cérebro da LOUD campeã do mundo e agora do time da MiBR para a franquia. Conversando sobre temas desde o começo da sua carreira até as expectativas para fevereiro, esse é um “deep-dive” na cabeça do coach que, em pouco mais de um ano, conquistou o Brasil e o mundo.
Reprodução: Instagram/@bzkagaming
Você já foi jogador de CS, de Valorant e agora foi campeão mundial com a LOUD. Conta pra gente um resumo da sua carreira?
Eu to com 27 anos hoje, comecei quando eu tinha uns 12 anos de idade, quando eu comprei meu CDzinho de Counter Strike. No competitivo mesmo de CS, meu primeiro campeonato foi de CS: Source, e eu tinha uns 15 anos. Vim para SP para jogar, e eu sou natural de Floripa, então para mim também foi um desafio vir para SP quando não tinha patrocínio, não tinha nada. Foi na cara e na coragem, realmente, porque eu amava o negócio. Fiquei jogando CS durante muito tempo e, quando lançou o CS:GO, eu migrei.
Tive um timinho que até teve bastante sucesso. Ficamos Top 2 em vários campeonatos nacionais. Logo depois recebemos o convite para a Dreamhack Valencia que, na época, era um campeonato internacional muito grande, considerado um dos principais campeonatos e onde iam estar várias das principais equipes.
Nós não conseguimos arrecadar patrocínio suficiente para viajar e, naquele momento, eu falei: “cara, se não for para jogar aquele campeonato, eu to perdendo o meu tempo jogando videogame”. Foi quando eu larguei tudo. Eu perdi aquele ímpeto competitivo, perdi aquela vontade, e tava jogando mais com os meus amigos, para me divertir.
Alguns anos depois apareceu a oportunidade de ir jogar o mundial de Paladins, um rolê completamente aleatório. Eu tinha baixado Paladins e estava bem nas filas ranqueadas. Um dos jogadores brasileiros que se classificou, no time da Black Dragons na época, não conseguiu o visto e, como eu estava me destacando nas filas ranqueadas, o pessoal resolveu me chamar: “Chama o bzkA, ele tem visto, já tem experiência no competitivo. Chama ele porque nós precisamos de alguém para jogar o campeonato.”E aí eu fui.
Reprodução: Youtube/PaladinsVOD
Entrei no avião, nunca tinha feito um treino no jogo, nenhuma vez em nenhum mapa, só ranqueada mesmo, então foi uma loucura. A gente foi para Atlanta, ali no finalzinho de 2016, começo de 2017, e acabamos saindo na fase de grupos, perdemos todos os jogos, mas foi a minha primeira experiência internacional, então considero uma experiência muito importante, eu tenho muito carinho, por todo mundo que estava lá também.
E aí foi quando fiquei nos Estados Unidos. Uns amigos me chamaram para jogar CS lá e eu falei: “É um jogo que eu amo de paixão, vamos.” Quando isso, estava matriculado na faculdade em Floripa, saí de casa com planos de voltar e do nada “bateu na telha” e eu falei: “vou ficar aqui”, e fiquei nos Estados Unidos, na cara e na coragem, tranquei a minha faculdade, fiquei treinando com os moleques lá, depois o Cogu entrou no time também, que é um cara que eu considero um mestre, um dos grandes professores que eu tive na minha carreira, eu boto o zakk, também um dos caras que foi mais importante para o meu crescimento, para a minha evolução dentro do CS na época. Eu fiquei nos Estados Unidos, nós tivemos alguns campeonatos, mas, particularmente, eu nunca tive muito sucesso lá fora. Acabei sendo um jogador um pouco mediano, não cheguei a conquistar nada muito importante. Tive destaques em algumas partidas, sim, mas nada de mais, e aí foi quando eu voltei para o Brasil e me formei na faculdade.
Eu falei: “cara, faltam 6 meses para eu me formar na faculdade. Eu vou voltar, vou me formar, vou pegar o meu diploma porque as coisas nos esports também não estão dando muito certo” e eu não tinha muita visão de futuro ali para mim nos esports.
Post onde Matheus se despede do cenário competitivo de CS. Reprodução: Facebook/bzkA
Eu tava pensando: “cara, eu acho que não vai dar pra mim, isso não é muito a minha praia, não está dando certo, já tentei tanto, sabe?” e então eu decidi me formar, também eu já estava trabalhando na época, até que, de repente, veio a notícia da Riot Games sobre o lançamento do Valorant, que era basicamente uma mistura de Paladins com CS. Daí eu falei: “Mano, é o jogo perfeito. É o momento!”
Queria fazer uma pequena nota de edição aqui que considero importante, e que não vai se repetir.
O sorriso do bzkA neste momento da entrevista foi muito bonito, no sentido mais puro da palavra. Até esse momento ele estava contando uma história que, querendo ou não, era meio para baixo. Uma história de um sonho que não estava dando certo.
A partir desse momento, no entanto, ele muda totalmente. É alegria. Saindo um pouco da faceta quadrada do jornalista, e da tentativa de pro-player passada, é muito bonito e motivador escutar e poder se identificar nos pontos da história de alguém que quase deixou tudo para trás, mas que, por algum motivo, decidiu apostar no sonho. Parabéns por tudo bzkA.
E aí naquele ponto, no beta já, eu larguei o meu trabalho, larguei tudo, para começar realmente a me dedicar ao jogo e tentar entender como ele funcionava.
Então eu comecei a jogar, montei um timinho, que era o time da Cage Triggered, que depois veio a ser o time da Pain Gaming: Eu, o murizzz, TxoziN, ole e frz. Pegamos Top 3 na Copa Rakin, e uns outros campeonatinhos relativamente grandes no próprio Beta do jogo, e foi aí que eu pensei “mano, o jogo é legal”.
Eu sempre fui um cara muito estudioso, ao invés de jogar 10 ranqueadas, eu preferia assistir 10 VODs, por exemplo, para realmente entender o que estava acontecendo e fazer o xadrezinho na minha cabeça, das habilidades, do mapa e tal. Eu sempre acabei assumindo essa função um pouco mais tática, por mais que em alguns times eu não era o IGL, eu sempre ajudei muito na questão tática do time, sempre fui muito participativo.
Quando o frz, me chamou no final do ano para ir para o mundial com a Vikings, eu pensei: “Cara, eu não tenho nada a perder, o ano no Brasil já acabou, os caras estão me dando uma oportunidade que vai ser uma experiência que eu vou aprender muito com eles, eu vou conseguir adicionar com as minhas horas e horas de estudo, e ao mesmo tempo: vai que eu goste de ser coach. Vamos dar uma chance.“
E daí, de novo, em mais um rolê aleatório, eu peguei a minha mala e fomos direto para Berlim. Eu não tive nenhum jogo no Brasil como coach, foram só treinos.Quando eu cheguei, olhei e eu tava no palco do mundial sendo treinador de uma equipe brasileira. Eu falei: “Mano, o que que tá acontecendo aqui velho? Que que eu faço?” E tinha um painel, debaixo do monitor para mudar a tela e tal, e eu não sabia nem usar o negócio. Eu tive que chamar alguém para me ajudar porque eu, simplesmente, não sabia usar.
Eu gostei. Eu senti que eu consegui ajudar muito os meninos, eu senti que eu consegui aprender muito deles também, e eu me senti bem fazendo aquela função. Eu acredito que eu me encontrei na minha carreira, na questão de personalidade, características, formas como eu gosto de trabalhar. Simplesmente parece que coaching foi feito para mim.
A forma como você tem que trabalhar com as pessoas, trabalhar com os jogadores, a equipe, a criação de estratégia, a questão tática, que eu já fazia como IGL, só que eu era pinão. Eu era ruim. Então eu conseguia fazer o que eu amo sem comprometer o time de maneira negativa.
Voltando de Berlim, eu estava com isso na cabeça né. “E agora? Vou ser coach? Vou voltar a jogar? O que eu vou fazer da minha vida?” E eu tinha muito claro na minha cabeça: “Eu só vou ser coach se for para ser coach desses moleques aqui. Com Sacy, com saadhak”. Na minha visão eles eram os dois caras que mais entendiam de Valorant no Brasil, e pensava que qualquer time que eu montasse no Brasil, eu estaria um passo à frente com esses caras. Ou eu estaria com eles no topo, ou contra eles no topo.
Nisso já tinha o outro projeto da LOUD encaminhado, com o outro treinador antes, e eu já estava montando o meu time para jogar. Eu ia jogar de qualquer jeito. Tinha os meninos, tinha a organização e aí rolou o que todo mundo já sabe.
O Sacy me ligou, conversou comigo, o saadhak me ligou também, e perguntaram: “Você já assinou o contrato?” E eu falei que não. Mas eu já tinha um contrato em mãos e faltava, literalmente, só assinar. Então, teoricamente, eu não menti, mas o contrato já estava comigo, e eu só não assinei o contrato porque o contrato veio errado. Ao invés de Valorant, estava escrito FreeFire. Então eu mandei pros caras e disse: “Ó, o contrato veio errado. Não vou assinar isso assim. Arruma ai e me manda de volta que eu assino”. E nesse meio tempo foi que rolou tudo.
Sabendo que o Onur era a primeira opção da LOUD nesse momento, isso afetou o seu desempenho em geral?
Teve sim. A partir do momento que você chega num ambiente sabendo que você era o plano B, você não chega com aquela carga de respeito e de responsabilidade, aquela carga de confiança de todos os jogadores. Então foi uma situação que tive que trabalhar desde o começo.
Eu cheguei com a guarda bem baixa e tive que conquistar a confiança dos jogadores. Eu não podia chegar ali e ser o cara que ia sair batendo em todo mundo, sair brigando com todo mundo e fazendo as coisas exatamente do meu jeito. Pelas circunstâncias da situação eu precisei chegar, ganhar a confiança dos jogadores, para aí sim começar a fazer o meu trabalho como eu acho que deve ser feito.
Definitivamente, influenciou sim, mas eu não tive problema nenhum com isso. O Sacy e o saadhak já me conheciam, e isso ajudou nesse processo.
Um fato curioso é que assim que eu cheguei, no dia seguinte a galera pegou COVID. Então eu vim para São Paulo às pressas, na correria, estava no AirBnB, e a gente não podia nem treinar presencialmente. A gente teve que treinar remotamente. Eu montei o PC no balcão da cozinha do apartamento, mas deu certo.
Durante o ano, nós ganhamos a primeira VCT invictos, fomos para a Islândia, lá ficamos em segundo lugar. Isso foi uma grande surpresa para nós. Algo que nos ajudou muito lá foi o fato de nós já termos começado nos play-offs, não tivemos que jogar a fase de grupos, então isso nos ajudou muito porque todo o time que nós jogamos contra, nós tínhamos muito material para estudar.
Então já chegamos com um material tático muito pesado em cima dos caras, e eles não tinham material nosso. Já era material de um mês e meio atrás. Obrigado NiP, que ganhou a Last Chance Qualifier, e isso nos mandou direto para os play-offs.
Conseguimos chegar na grande final contra a Optic e até hoje eu sinto que nós não estávamos preparados para ganhar aquele campeonato, só que ele escancarou muita coisa que nós precisávamos trabalhar. E foram nesses pontos onde nós focamos o nosso trabalho durante o ano inteiro.
Chegamos no Brasil, jogamos a VCT 2, ganhamos a VCT 2, e aí nós fomos para a Dinamarca. Sabe aquela viagem que você faz onde tudo dá errado? Teve vários problemas na viagem, um jogador perdeu a mala, alguns outros problemas também, deu tudo errado. Chegamos lá cansados, esgotados, mas mesmo assim dissemos: “Vamos ganhar esse negócio aqui! Vamo jogar bem!”
Nós tentamos nos colocar num mundo, num lugar diferente para ter um bom desempenho, mas não adiantou, parece que não era para ser. Aquele jogo contra a KRÜ, nós sabíamos exatamente tudo o que eles iam fazer, sabíamos o draft, sabíamos tudo, e mesmo assim nós falhamos em conseguir counterar, em conseguir capitalizar em cima dos caras. Nós perdemos contra eles, mas acho que no segundo jogo nós voltamos muito bem. Depois de perder para a KRÜ, nós pegamos a Optic, e eu sinto que se fosse qualquer outro time no campeonato inteiro, a gente ganharia aquela série.
Nós estávamos muito bem na partida, conseguimos fazer o nosso jogo, só que a Optic é um time muito difícil de jogar contra. Eles são um time muito tático, muito forte, muito regrado, e eles eram a nossa kriptonita até então. Sinto que nós jogamos muito bem, o último mapa foi uma Split que acabou no overtime. Foi uma sangria, realmente um campo de batalha. Mas nós conseguimos voltar no campeonato, porque nós começamos muito mal.
Eu não quero tirar o mérito da KRÜ, eles jogaram muito bem, mereceram a vitória, conseguiram capitalizar, mas eu sinto que nós perdemos sem fazer o nosso jogo.E isso foi o que mais me machucou. Nós conversamos com todo mundo depois para tentar entender o que aconteceu, para entender o que estava acontecendo. Tentamos “dar reset” para a segunda partida, mas não foi o suficiente.
Eu me lembro que lá na Dinamarca mesmo, quando nós estávamos na van, indo embora, estávamos com o jogo contra a Optic na cabeça ainda, nós estávamos discutindo ele. E nós falamos: “Rapaziada, relaxa, a gente vai voltar, a final vai ser contra a Optic, e nós vamos ganhar o mundial”. Nós conversamos isso, e tem isso em filmagem, o cameraman filmou, nós temos provas que isso realmente aconteceu.
E quando nós chegamos para a Champions, primeira partida: Zeta e, se ganhasse, pegava a Optic. Nós falamos: “Não… não é possível cara… esses caras de novo, cara… não é possível, sai daqui! Que gente chata, cara! Todo dia mesma coisa!” Eu estava vendo depois, 70 ou 80% dos nossos jogos internacionais eram contra a Optic.
Foi bom, de certa maneira, porque nós chegamos na Champions sem pressão nenhuma.
E como foi a preparação e o mental de vocês ao voltar a enfrentar eles nesse momento?
A gente sabia se preparar desde o começo. Então, de forma geral, a preparação não mudou muito, claro que um detalhezinho aqui ou ali, mas a maior parte nós ja sabiamos fazer. Nos reunimos um dia antes do jogo, nos sentamos para fazer o planejamento estratégico e tático, todo mundo junto, para conversar.
Durante o ano, algumas vezes, nós erramos em algumas leituras, mas a forma em como nós nos preparamos para o jogo sempre foi muito parecida e não teve muita alteração. Na questão do mindset, nós sabíamos que eles eram favoritos, até no campeonato, mas nós também sabíamos que nós éramos bons para c*ralho.
E sabendo o quão bons nós éramos, nós também sabíamos que tínhamos, sim, chance de ganhar deles. Só que ao mesmo tempo, a torcida nos viu sair na fase de grupos na Dinamarca. O pessoal do evento viu a gente sair na fase de grupos na Dinamarca. Então, diferente de nós mesmos, o pessoal não sabia o quão bons nós realmente éramos. Nós entramos sem uma pressão muito grande do público.
Nós conversamos: “não importa o que acontecer, no final do campeonato nós vamos entrar nessa salinha aqui e vamos conversar só nós seis. F*da-se tudo externo. Vamos entrar para jogar leve.”
Então entramos leves. Entramos e conseguimos fazer o nosso jogo, e as coisas encaixaram. Nós perdemos para a Optic na primeira série MD3, e mesmo perdendo, aquela série não afetou a nossa confiança para o campeonato, mas escancarou vários detalhes.Aquela derrota nos fez muito bem. Muitas vezes o planejamento tático ficava entre eu, Sacy, saadhak. Isso mudou, por exemplo. Depois dessa derrota nós percebemos o quão importante era que todos estivessem participando conosco. Os demais meninos começaram a participar mais, e as coisas começaram a fluir muito melhor.
Reprodução: Instagram/@bzkagaming
Depois de uma sequência ótima na LOUD, o que te fez sair de uma das org mais importantes do Brasil para outra?
Voltando do mundial, todo mundo feliz, todo mundo campeões mundiais, começaram as conversas dentro do time de como iam funcionar as coisas, de como a LOUD ia fazer com a franquia. Sem entrar em muitos detalhes, eu acabei saindo da LOUD. Eu, Sacy e pancada saímos. Com isso, eu comecei a correr atrás do meu futuro, e o meu agente começou a entrar em contato com vários times internacionais para procurar uma casa para mim. Eu fiquei muito feliz porque nesse momento eu tive reconhecimento e propostas do mundo inteiro. Mas eu tinha o sentimento de que eu queria estar na franquia, e de que eu queria estar na franquia com um time brasileiro.
Eu sentia que aquele conhecimento que eu adquiri na LOUD durante esse ano, é um conhecimento que, se nós conseguirmos espalhar ele no cenário brasileiro, e fazer ele evoluir como um todo, nós teremos um jogo muito mais sólido, porque a ideia de “super-time” não era mais uma realidade. Não vai ser mais um trajeto como foi em 2022. O que a LOUD fez em 2022 é uma historia de louco. Um time que se construiu em um ano e foi campeão mundial. Isso é muito difícil de acontecer.
A forma como o brasileiro gosta de viver a vida, de trabalhar, de se dedicar. Aquela paixão pelo jogo é algo que me move também durante a competição. Então eu decidi ficar com o MiBR. Gostei muito da proposta, nós conseguimos escolher também muitos jogadores que trabalhariam conosco esse ano, e eu fico muito feliz com isso. Eu to com um time incrível comigo. Não só jogadores bons, mas seres humanos singulares. Acho que foi esse um dos principais motivos para a minha decisão. Se nós conseguirmos ir bem, vai ser muito bacana para o meu futuro e para a imagem que eu vou ter conseguido criar com o público brasileiro, que foi um publico que sempre me apoiou de forma incondicional. Ficar perto deles para mim é muito importante.
Há pouco mais de dois meses, no Flow Games, você falou que gostaria de continuar trabalhando com os cinco meninos da LOUD. Na hora de sair da organização, isso impactou algo na sua decisão?
Tiveram propostas de manter o time junto, nós tentamos fazer isso acontecer, mas, ao mesmo tempo, aconteceram várias coisas e isso acabou não sendo possível. Eu guardo muito carinho pela organização, pelos jogadores, mas são coisas da vida. Infelizmente negócios são negócios, e infelizmente nós não podemos fazer tudo aquilo que nós desejávamos na época, e hoje eu tô muito feliz, tanto com a estrutura como com os jogadores que eu tenho. Eu acho que as coisas acontecem por um motivo. É a vida.
Qual é a tua opinião sobre as mudanças no cenário de Valorant para o ano que vem?
Para o cenário brasileiro, a franquia esse ano acabou sendo muito cedo. Eu acho que era algo necessário a ser feito pela Riot, principalmente para o âmbito internacional, para os times internacionais da Europa e Estados Unidos principalmente. Eles precisavam fazer uma liga mais forte lá fora, mas o cenário brasileiro não estava pronto para uma franquia desse tamanho.
Os times que estão na franquia hoje, os três times brasileiros, não estão no mesmo nível que a LOUD estava no final da temporada competitiva passada, no nível do time que foi campeão mundial. E o público brasileiro vai criar essa expectativa de ser campeão mundial de novo, de estar sempre entre os melhores, mas isso não vai ser nada fácil.
Não vai ser algo tão simples como a galera espera que seja. Eu sinto que os três times do Brasil, são três times com muito potencial, são times que tem muito a crescer ainda, muito a evoluir, que podem competir entre os melhores, mas não vai ser tipo: “chegamos e estamos entre os melhores”. Vai ser um negócio trabalhado, duro, vai machucar, vai exigir muito de cada pessoa dentro para que dê certo.
Reprodução: Riot Games
Como alguém que está dentro do cenário, o que você espera desses três times para o ano que vem?
Eu acho que nós chegamos, no papel, estando abaixo. Pela experiência de jogadores internacionais, jogando em alto nível, você jogar um campeonato no Brasil não é a mesma coisa que jogar um campeonato fora.
No próprio MiBR, nós temos o jzz que nunca jogou uma competição internacional muito grande, o RgLM que também nunca teve uma experiência competitiva muito grande. A LOUD também tem dois jogadores que não tiveram uma experiência competitiva internacional muito grande.
Todos os times apresentam alguns pontos a serem evoluídos durante esse processo, mas ao mesmo tempo o conhecimento que nós do MiBR temos, que o pessoal da LOUD tem, o próprio conhecimento que o Sacy e o pANcada levam para a Sentinels agora, é conhecimento de um time campeão internacional. É o conhecimento de um time campeão mundial.
Eu sinto que todo mundo ali sabe o trajeto e os passos que devem ser feitos para alcançar o sucesso. Então vai ser, realmente, questão de botar trabalho em cima disso, e conseguir fazer dar certo. Não é uma fórmula mágica. Você lida com pessoas, com seres humanos, e cada jogador vai se comportar de uma forma diferente, e você vai ter que adaptar algumas coisas para fazer a engrenagem estar sempre girando. Conhecimento nós temos.
O Brasil precisa de um pouco mais de experiência, precisa trabalhar muito para correr atrás. Não é fácil. O mundo competitivo não é fácil e nunca vai ser.
Quais serão as principais consequências para o cenário competitivo internacional das franquias? Qual mudança você faria?
Eu sei que o cenário nacional brasileiro, com a implementação da franquia lá fora, vai se enfraquecer muito, porque ele perde 15 dos melhores jogadores e staff que estavam no Brasil. Você tinha a capacidade de treinar contra a LOUD, contra o MiBR, contra a FURIA, no dia a dia, então você tinha muito mais oportunidade de aprender coisas na pele, e agora os jogadores não vão mais ter essa experiência.
Eles vão ter que aprender isso em VOD, aprender assistindo campeonatos. Acaba sendo muito mais difícil. Acho que o cenário nacional vai sofrer muito com isso, enquanto que os times que vão estar jogando o Ascension, por exemplo dos Estados Unidos, vão estar treinando com os times da franquia. Eu sinto que o Brasil fica um pouco atrás nesse sentido.
E o cenário internacional, com as franquias, vai crescer muito. Esse sistema dá muito mais estabilidade para as organizações, para as empresas investirem, para os jogadores mostrarem o seu jogo. Então, por exemplo, o MiBR, se não tivesse franquia, nós íamos ficar esse ano inteiro treinando no Brasil, para tentar classificar, para treinar um mês lá fora, para jogar um campeonato e fazer um bootcamp ou algo assim. Enquanto que no sistema de franquias, os times já vão estar lá fora treinando todos os dias com times internacionais.
O nivelamento entre as regiões Brasil, NA, até mesmo Ásia ou Europa, vai ser insano. Todos os times vão estar treinando entre si, e isso vai levar o nível muito para cima. O nível competitivo vai subir muito, vai ser muito mais difícil. Vão ter menos erros, os times vão estar melhor preparados. Internacionalmente, os times de Valorant só tem a ganhar com isso.
E sobre a mudança, eu mudaria a questão da vaga fixa do Ascension. Tem um prazo de 5 ou 6 anos, para times subirem do Ascension para a franquia, e eu acho que isso deveria ser algo fixo.
Os times das regiões que não estão na franquia, se não puderem chegar lá, isso vai ter um impacto devastador no mercado, no investimento, até mesmo na vontade dos jogadores de jogar.
E você não acha que os times que entram através do Ascension vão estar muito abaixo dos outros, gerando um “gatekeeping” dos times que estão na franquia?
Depende. Se um time brasileiro ganhar o Ascension e subir para a franquia, isso significa que ele ganhou de um time do NA ou do LATAM, mas principalmente dos americanos, que estavam, de fato, lá, treinando com os times da franquia. Principalmente os times que estiverem lá fora, treinando com os times da liga principal, vão estar com o nível lá em cima, não importa se estiver dentro ou fora do sistema. Vão ser dois times que vão estar treinando entre si, com o nível igualmente alto. Se um time LATAM ou BR ganhar de um time lá de fora, significa que os caras não são bobos. Os caras vão, sim, ter nível para jogar o campeonato.
Mas isso não significa então que, esses times que vão estar lá fora, nos Estados Unidos, vão ter a oportunidade de treinar com os times da franquia, enquanto os que estão aqui não. Então você não acha que, por esse motivo, existe uma possibilidade muito mais alta de times que estão lá fora entrarem, do que times que são, por exemplo, do LATAM ou do Brasil?
Com certeza. Concordo 100%. Eu acho que o Brasil vai entrar muito desfavorecido nessa liga Ascension. A galera vai ter que ralar muito. O Brasil tem muito talento e consegue classificar, consegue ganhar dos caras, mas vai ter que se dedicar muito porque o trajeto vai ser, com certeza, muito complicado.
O que você sentiu ganhando Coach do Ano na TGA deste ano?
Reprodução: YouTube/Spottin Games
Eu não esperava ganhar o Coach do Ano. Com toda a sinceridade, eu vi a lista de indicados e são pessoas que já estão no cenário a 10 anos, e eu to aqui a um ano e um mês trabalhando. Eu falei: “Eu não vou ganhar desses caras nem f*dendo. Os caras tem as suas histórias, né?” E com um ano de trabalho eu consegui ganhar… No momento eu sai gritando aqui no apartamento, meu vizinho veio bater na porta perguntar se eu estava bem. Foi uma explosão de emoção, eu fiquei muito feliz. Estourei champanhe, comemorei aqui. Mas ao mesmo tempo, eu acho que foi o fechamento de um ciclo.
Esse prêmio não é um prêmio só meu. Ele é um prêmio do meu time inteiro durante esse ano, porque tudo que nós construímos, nós construímos juntos. Eu construí isso junto com o Sacy, eu construí isso junto com o saadhak, eu construí isso junto com o pANcada, junto com o Less, junto com o aspas, junto com o nosso psicólogo, o Bruno, o Artur antes dele, todo mundo que participou disso foi uma construção em conjunto.
Eu acho que o coach sozinho não faz o trabalho. Ele não consegue fazer milagre. Eu acho que foi uma construção de toda a equipe, de todos que estavam nesse projeto. Se algum de vocês estiver lendo essa entrevista, saibam que esse prêmio é nosso, não é meu, e que eu fiquei, sim, muito feliz, porque ele mostra que o nosso trabalho foi realmente muito bem feito.
Eu só queria mesmo agradecer a galera que torceu e acompanhou o nosso caminho em 2022, quando eu ainda estava vestindo a camisa da LOUD: o carinho de vocês, o apoio de vocês foi incrível, e eu só tenho a agradecer a cada momento que nós passamos juntos. Todo mundo que trabalhou comigo nesse ano passado também, tanto jogadores como staff, todo mundo que fez parte desse projeto eu levo comigo para sempre no coração. Nesse ano foram construídas muitas lembranças positivas no geral, e para a galera que está acompanhando agora, agora eu sou MiBR. Eu gostaria desde já agradecer a torcida de vocês.
Para a galera que está acompanhando a minha nova aventura, eu queria agradecer por tudo realmente. Eu só tenho agradecimentos, eu acho que foi um ano incrível, toda a comunidade nos abraçou desde outros setores, o pessoal dos campeonatos, os casters, até os jornalistas, eu só tenho que agradecer por tudo que está acontecendo, e vocês podem ter certeza que eu to trabalhando muito para nós conseguirmos trazer mais um título internacional ao Brasil. Esse é o meu objetivo, eu quero botar o MiBR no topo, e eu tenho confiança que meus jogadores são muito bons e nós vamos conseguir fazer isso juntos.
Peço paciência, peço tranquilidade. Nós vamos chegar lá.