Durante as duas qualificatórias, e a Copa Ignis em si, a paiN trilhou um caminho estelar e terminou invicta com uma pontuação geral de 22 mapas a quatro. Desta vez, tivemos a oportunidade de conversar com uma das peças-chave para essa conquista, a suporte do time, Giovana “Luna” Lunardelii, quem também passou anteriormente por outro programa conhecido no nosso cenário, O Gillette ULT.
Reprodução: paiN Gaming/Twitter
Antes de você passar para o cenário competitivo, você passou pelo Gillette ULT, e você mesmo já respondeu em outras ocasiões que as coisas lá dentro diferiram do que foi passado para a audiência do lado de fora. Como a experiência de passar pelo Gillette ULT te afetou, tanto no âmbito profissional como no pessoal?
Olhando para trás, da posição em que eu estou agora, dentro da paiN e como jogadora profissional, eu vejo que a experiência do ULT para mim foi ótima. Eu aprendi que você ser um jogador profissional é 50-50: você tem que trabalhar a sua imagem e você tem que trabalhar o seu jogo, seu gameplay, etc. Nunca é só jogar, jogar, jogar. Você tem que trabalhar o externo também. Eu ter tido a oportunidade de lidar com críticas, pessoas e público me preparou bastante para eu ser jogadora e estar vivendo nesse meio. Foi uma experiência muito rica para mim.
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Entrando na paiN, você foi exposta a um dos times mais tradicionais do Brasil, com uma das maiores torcidas. Você considera que essa exposição “de cara” tenha sido positiva ou negativa?
Eu penso que antes do ULT eu já era uma pessoa que fazia bastante live. Então juntando isso com a exposição do ULT, a da paiN, da torcida, eu acho que já era uma questão que eu estava acostumada a lidar. Não foi necessariamente um problema ou uma dificuldade. É um prazer de poder trocar essa ideia com o pessoal, de poder ter essa conexão com eles. Foi uma coisa boa no geral.
Em questão a toxicidade in-game. Nós sabemos que esse assunto ainda é muito real e que, principalmente com mulheres, é uma realidade contínua. Você já passou por esse tipo de episódio? Se sim, na tua opinião, quais são as maneiras mais corretas de se lidar com esse tipo de situação?
Eu acho que, da parte da comunidade, é uma questão de respeito. Não por ser ou não uma mulher, é uma pessoa. Você deve respeito a qualquer pessoa sempre, independente de X ou Y motivos. Eu já passei por coisas horríveis, que eu não desejo a ninguém, mas com o tempo eu fui parando de me frustrar porque não valia o meu tempo. Como profissional mesmo: a cada dia você vai ser criticada, as pessoas vão falar da sua gameplay, por você errar uma coisa ou outra e, sinceramente, eu cansei de me importar, eu cansei de ficar vendo isso, porque é uma coisa que acontece todos os dias. As pessoas dão rage, são tóxicas, e a minha solução para isso é simplesmente mutar. Simplesmente ignorar o que as pessoas falam. Eu sei que essa não é a maneira mais correta, porque não deveria ser desse jeito, mas vai levar um bom tempo para existir alguma mudança real e isso só depende das pessoas. Eu considero que eu faço a minha parte, a qual é não proliferar esse tipo de atitude, focar no meu gameplay, no meu desempenho, nas minhas coisas e é isso.
Para os jogadores mais casuais de LoL, que talvez não tenham uma pretensão de jogar profissionalmente, ou subir muito de elo, eu recomendo que você jogue com as pessoas que você gosta, com os seus amigos, que isso dificilmente vai acontecer. Mas, de verdade, em qualquer jogo, eu só muto. Não tem o que fazer. Para mim é inútil ficar batendo boca com alguém na internet.
Na sua opinião, quais são as maiores dificuldades para o crescimento de um cenário competitivo tanto feminino dentro do Brasil e internacionalmente? Quais são os maiores obstáculos para que isso possa acontecer?
Pela experiência que tive, falta um pouco de “seriedade” dos times. Vou usar o nosso melhor exemplo possível: o CBLOL. Para mim, os times que estão lá, na franquia, deveriam dar mais valor a esse cenário, porque é realmente um cenário muito grande e uma coisa que se deve aproveitar.
O que passei na paiN foi algo surreal. E é um sentimento incrível que, como mulher, você possa ter a sua própria liga, possa disputar e você estar de igual para igual com as demais ligas. Nós, literalmente, jogamos no mesmo palco que o pessoal do CBLOL ou do Academy jogam, e não existe diferença de nós para eles. Nós somos uma liga legítima. Eu acho que falta mais investimento dos times da franquia. A Riot já está fazendo a parte dela que é ter o nosso campeonato, de se posicionar de maneira firme e se comprometer a incentivar as transmissões, mas eu acho que o próximo passo é começar a haver esse investimento de parte da franquia mesmo.
Você acha que um campeonato 100% feminino seja beneficioso?
Sim. O CBLOL Academy já teve meninas, como a Harumi, Jime, Liz, Yatsu, etc., mas a questão é que precisamos de um lugar que seja nosso. Um lugar de visão só nosso, e é isso que o campeonato feminino traz para nós. Nós não queremos disputar, nós queremos o nosso espaço. Nós sempre batalhamos por isso e, justamente por esse motivo, eu considero tão importante essa liga feminina.
Segundo algumas personalidades internacionais, a existência desses campeonatos 100% femininos acabam por separar mais as coisas e não incentivar a competição de igual para igual. Você não concorda com isso?
Eu não concordo. Eu considero que as experiências de cada um são muito diferentes. Com o passar do tempo eu pensava que eu era uma das únicas meninas que jogava LoL, que estava no high-elo e, ao ver a Ignis ser criada, o meu horizonte foi muito expandido.
Para mim foi uma luta. Quando eu decidi ser proplayer, foram muitos anos de dedicação, e existindo Ignis ou não, eu ia trabalhar com isso. Era o meu sonho. Mas quando a Ignis surgiu, ela abriu um leque de opções para as meninas que também sonhavam com isso, de poder se enxergar ali, de poder estar ali. O Academy já existe a três anos, o CBLOL está aí a muitos anos, e nós só víamos isso como um sonho muito distante, e a Ignis foi algo que eu nunca podia imaginar que ia acontecer. Eu vi muitas meninas boas jogando que eu nunca imaginei estarem lá. A Ignis mostrou que aquele pensamento de “vou me esforçar tanto para algo que nem sei se valha a pena” poderia deixar de existir. Ela conseguiu construir esse espaço que nós precisamos e queremos para ter essa representação.
Sobre a Ignis, queria que você me contasse um pouco mais da sua experiência com o campeonato. Vocês ganharam perdendo só um mapa para a Miners e isso já é um feito histórico. Queria saber um pouco mais da história pré-campeonato.
Quando vi a notícia da Ignis eu estava no mercado e fiquei em choque. Eu falei naquele momento: “Meu Deus, eu acho que a minha vida vai mudar a partir de agora”. Foi um momento que estive esperando por muito tempo. Naquele ano eu tinha me prometido que eu entraria no Academy de qualquer maneira, até porque não existia outra opção. Então a notícia foi algo incrível. Logo em seguida já começaram os try-outs. Eu tive vários desses, só que tinha uma questão: existia gente (times) que queriam investir só pela mídia, não porque dariam o suporte real que um time precisa.
Existe também o fato que um time feminino difere de um time masculino, pode se achar que não, mas tem muita coisa diferente, e esse é um cuidado necessário, até porque engloba toda a comunidade LGBTQAI+ também.
Eu tive algumas propostas meio duvidosas, mas chegou um momento em que o nosso time já estava praticamente formado e o Sarkis queria testar várias pessoas, que no final acabei sendo eu. Logo em seguida a paiN chegou com um suporte incrível. Compraram a minha passagem, me disseram onde eu ficaria, me pediram número do sapato, da roupa, fizeram sessão de fotos, making-of, de tudo. Sempre mantiveram um apoio surreal.
No começo o treino foi um pouco caótico já que Luma mudou de posição. Ela jogava Top e acabou jogando Jungle, e essa adaptação não foi simples, porque não é fácil simplesmente mudar de role e aprender o jogo de novo. Nós começamos com babysteps para que ela possa se acostumar, fazendo as coisas dar certo, e logo depois teve a primeira Goddess Cup e foi um sentimento ótimo. Eram ótimos os dias de campeonato, dia de jogo. Eu já joguei campeonatos presenciais e regionais na minha cidade, e essa sensação de competir é idêntica a de qualquer outro esporte como futebol ou vôlei, e cada milissegundo ou clique importa. Nós fomos jogando, ganhando, e vendo como as coisas eram.
Sinceramente, no começo eu não botava muita fé. Existiam outros times, como a Rise Gaming, por exemplo, já existiam há muito tempo, elas eram as pioneiras, e nós tínhamos um certo “medo” ou “receio”, porque “nossa, a Rise já tá aí tem mó tempão“, e no final nós jogamos só uma vez contra elas e ganhamos super tranquilo, quem realmente dava mais trabalho era a Miners. Todos os jogos eram 2-1, super sofridos. Nós não imaginávamos que seria daquele jeito, mas as melhores sensações eram os jogos contra elas. Havia muita competitividade, elas eram ótimas. Eu não gosto de jogos que não são sofridos.
A final da Ignis eu me lembro direitinho. Toda a preparação tinha outro sentido. Eu acordei, vi as meninas se trocando, nós fomos para o office e já começou a gravação: nove da manhã. Nós fomos para o estúdio da Riot e estávamos super nervosas, dava para sentir no ar o clima, mas era ótimo “NOSSA! VAMOS AMASSAR!”. A recepção da torcida da paiN na Riot foi absurda, eu amo a torcida da paiN. Isso já nos deixou mais hypadas ainda. Na hora que fomos colocar os periféricos e nós vimos toda a torcida, eu vi os meus pais e foi um sentimento único. A minha família sempre me apoiou e ver eles lá foi mágico. No meio do jogo eu dava umas olhadinhas para o lado e ver eles apoiando foi a melhor coisa para mim e vencer foi surreal. Estar no palco é um sentimento viciante. Uma vez que você ganha, você não quer mais parar e é assim que eu tô hoje.
Pergunta bonus:
Qual é a primeira memória que você tem de LoL?
A minha primeira lembrança de LoL é que, antigamente, o cliente era muito feio e diferente na hora de você entrar no LoL. Aquele cliente quadradão, e eles sempre colocavam uma arte diferente, sempre um campeão novo, skin nova ou algo do tipo, e eu comecei a jogar LoL no lançamento do Udyr Guardião Espiritual, que tinha uma tirinha, era super legal e isso ficou super marcado na minha memória. E aí eu fui pesquisar e essa skin saiu em julho de 2013, então eu tenho quase 10 anos de LoL.